Uma biblioteca não se faz de doação de livros que não queremos mais em casa - “isto é sucata” -, e o acervo deve ser selecionado conforme a demanda de cada público. Para cada tipo de biblioteca, uma função diferente e, consequentemente, uma acervo diversificado. É o que sustenta a Professora da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia, da Universidade Federal de Goiânia, Maria das Graças Monteiro Castro. Professora na disciplina Formação e Desenvolvimento de Coleções (Acervo) e Diretora da Editora UFG, esteve à frente do Projeto Leia Goiânia, de 2001 a 2004, onde implementou 92 bibliotecas na rede municipal de ensino de Goiânia e 98 bibliotecas circulantes nos centros municipais de educação infantil. Nesta entrevista exclusiva ao Instituto Ecofuturo, Graça Castro fala da diferença entre espaços de leitura e biblioteca, das particularidades e esforços de implementação de bibliotecas escolares e dos desafios para que se cumpra a lei 12.244/10, que determina a implantação de bibliotecas em todas as instituições de ensino do País até 2020.
No 14° Salão FNLIJ do Livro para Crianças e Jovens, realizado recentemente no Rio de Janeiro, você chamou a atenção para a diferença entre espaços de leitura e bibliotecas. Poderia nos dizer, em linhas gerais, que diferença é essa e por que ela deve ser levada em conta ao se pensarem políticas de promoção da leitura?
Espaço de leitura é todo e qualquer espaço que proporcione conforto para o ato de ler. Portanto, estamos falando de um banco de ônibus, trem, avião, sofá da sala ou mesmo um tapete com almofadas, uma cadeira de praia, debaixo de uma árvore frondosa, enfim são inúmeros.
A biblioteca seria aquele lugar previamente preparado para abrigar o suporte e o ato de ler. O lugar que promove o encontro do leitor com as mais variadas estruturas textuais e suportes de leitura. Ali encontramos o livro para o puro deleite ou para nos trazer conhecimentos específicos que precisamos. A biblioteca democratiza o acesso do conhecimento e atua na formação permanente do sujeito leitor por meio do acervo selecionado para um público específico, com atividades que deem suporte para o processo de pesquisa por meio de buscas de fontes de informação. A organização do espaço físico favorece o encontro do leitor com o livro.
De 2001 a 2004, você implementou 92 bibliotecas escolares na rede municipal de ensino de Goiânia e 98 bibliotecas circulantes nos centros municipais de educação infantil, através do Projeto Leia Goiânia. Quais as particulares desse tipo de biblioteca e como concorreram os esforços para implementá-las e mantê-las em pleno funcionamento?
O projeto previa a reestruturação das salas de aula que eram denominadas bibliotecas na rede municipal de ensino de Goiânia. Fizemos um diagnóstico físico e estrutural destes espaços nas 156 escolas da rede e detectamos que em 92 poderíamos atuar imediatamente.
Com a criação de um Sistema de Bibliotecas Escolares para a Rede Municipal de Ensino de Goiânia, capaz de articular a proposta de educação inclusiva, quatro ações foram implementadas: a reestruturação física das bibliotecas; a formação continuada nas áreas técnica e pedagógica; o estabelecimento de diretrizes para a política de seleção e aquisição do acervo; e o estabelecimento de diretrizes para a garantia da atuação da biblioteca como um centro dinamizador da leitura e difusor de conhecimento.
Como abrangia a educação infantil, o ensino fundamental e a educação de adolescentes, jovens e adultos, e considerando as diferentes condições das unidades de ensino, o projeto estabeleceu um cronograma em que o atendimento se daria inicialmente nas escolas que já dispusessem de espaço físico adequado e se estenderia, posteriormente, até aquelas que necessitassem de adequação e/ou construção da sala destinada à biblioteca.
Estruturou-se uma biblioteca padrão de 40 m2 (veja layout abaixo). Contamos com a assessoria de um grupo de arquitetos ( Argumento Arquitetura), um grupo selecionado de professores das universidades estadual e federal, bem como de professores da própria rede para selecionarmos o acervo e iniciamos um processo de formação de diretores, coordenadores e auxiliares de biblioteca.
Você também sustenta que o acervo deve ser escolhido em consonância com as demandas do público de cada biblioteca. Como reconhecer essas demandas? Variam, realmente, de público para público de maneira tão perceptível? Não haveria, dentro do patrimônio cultural de um país, um acervo de interesse comum a leitores de todas as regiões?
Como professora da disciplina de Formação e desenvolvimento de coleções (acervo) do curso de biblioteconomia, sempre digo aos meus alunos que uma biblioteca deve ser sempre planejada para atender seus usuários. Um acervo nunca pode ser formado aleatoriamente e menos ainda com doações. Para cada tipo de biblioteca , uma função diferente e, consequentemente, um acervo diferente. No caso específico da biblioteca escolar o acervo deverá atender ao projeto político pedagógico da escola e atender às especificidades deste currículo.
No Projeto Leia Goiânia, a política de seleção adotada para compra do acervo foi desenvolvida por uma equipe de professores da Universidade Federal de Goiás, da Universidade Estadual de Goiás e da rede municipal de ensino. Na constituição do acervo, levou-se em conta a necessidade de oferecer diversas estruturas textuais: literatura, obras de referência, livros informativos e textos teóricos de apoio aos professores. Por decisão prévia, os livros didáticos foram retirados da biblioteca. A seleção de cerca de 2.800 títulos contemplou: obras de referência, contos populares, histórias em quadrinhos, literatura infantil, literatura juvenil, literatura para jovens e adultos, livros informativos nas mais diversas áreas (ciências, história, geografia, matemática, artes e língua estrangeira) e livros de apoio teórico para o professor nessas mesmas áreas.
Como você tem acompanhado os desdobramentos da efetivação da lei 12.244/10, que determina a implantação de bibliotecas em todas as instituições de ensino brasileiras até 2020?
A lei é extremamente válida, no entanto não há garantia de que será realmente implantada. Temos uma série de limitadores:
1) O tamanho do sistema educacional brasileiro e as competências de cada instâncias federativas: união, estado e município;
2) A falta de definição de uma política de implantação de bibliotecas escolares pelo MEC, como fiscalizador, definindo a abrangência/conceitos, acervo básico (do próprio PNBE, por exemplo); espaço físico, mobiliário, equipamentos eletrônicos etc.
3) Falta de profissionais qualificados para atuar no espaço pedagógico. Os cursos de biblioteconomia deveriam preparar o profissional par atuar neste universo, aliando conhecimento das áreas específicas da informação com os conhecimentos pedagógicos.
Quais os cuidados que precisamos observar, se isso é possível, para que a leitura em bibliotecas escolares ultrapassem o uso meramente paradidático da literatura?
Fazer com que a biblioteca realmente seja inserida no contexto pedagógico: participar do projeto político pedagógico e fundamentalmente da prática cotidiana dos professores.
Como o professor pode identificar o tipo de biblioteca adequado para o seu desempenho como docente?
As universidades e faculdades têm que possuir obrigatoriamente, para que seus cursos sejam autorizados pelo MEC, bibliotecas universitárias, que por sua vez devem ter em seus acervos a bibliografia básica das disciplinas dos cursos que possuem. Assim sendo, um aluno de qualquer curso de licenciatura deveria ter a biblioteca de sua universidade como referência para sua formação. Quem sabe assim, não seria tocado pela necessidade de ter uma pequena biblioteca de área em sua própria casa?
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