Apesar de provimentos que facilitam a emissão de certidões, poucas unidades de saúde fornecem o serviço
Maternidades e cartórios devem trabalhar em parceria para emitir os registros de nascimento e também precisam estar cadastrados no sistema eletrônico da Corregedoria Nacional, atendendo ao Provimento Nº 13 da CNJ Fotos: Kid Júnior
Mesmo com cartórios civis nos municípios, não é todo pai e mãe que cumpre o dever de registrar o filho, mesmo com o serviço sendo gratuito há 15 anos. E ainda há outras facilidades oferecidas pelo Estado.
No último dia 15, a Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) publicou documento que facilita a emissão de certidões ainda nas maternidades. Pelo Provimento Nº 17, não será mais necessário o envio da digitalização de documentos no ato do registro, bastando a declaração do profissional das unidades interligadas nas maternidades.
O sistema de unidades de saúde interligadas a cartórios de registro civil foi implantado por meio do Provimento Nº 13 da CNJ, em 2010. Para emitir o documento, as maternidades devem trabalhar em parceria com cartórios e ambos precisam estar cadastrados no sistema eletrônico da Corregedoria Nacional.
Mesmo com a publicação desses documentos, o Ceará ainda está longe de erradicar os sub-registros através desse serviço.
De acordo com a orientadora da Célula de Proteção Básica da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado (STDS), Sandra Luna, que coordena o Programa de Combate ao Sub-Registro no Ceará, somente duas maternidades no Estado atendem ao provimento: a do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e do Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC).
No Interior do Estado, a situação é ainda mais complicada. O único município em que a maternidade tem convênio com o cartório é Tauá, de acordo com a diretora da Associação dos Notários e Registradores do Ceará (Anoreg-CE), Irani Macedo.
Documentação
Em Fortaleza, nessas duas unidades de saúde, o atendimento acontece de segunda a sábado e um profissional do cartório tem sala própria no hospital, onde o registro de nascimento é entregue em apenas dez minutos, mediante a apresentação da identidade original dos pais, da declaração de nascido vivo (DNV), fornecida pelo hospital e certidão de casamento, no caso de os pais serem casados. Já no caso dos pais que vivem juntos, a mesma documentação é exigida, com exceção da certidão de casamento, mas os dois devem assinar.
Juciane da Silva não pôde registrar a filha, Ana Lia, pois ela mesma não tem certidão de nascimento, assim, elas não existem oficialmente
Nesta segunda situação, que representa 80% dos casos atendidos no HGCC, o acesso à certidão de nascimento é facilitado, já que, se o casal registrar a criança ainda no hospital, não há a necessidade de ir ao cartório.
O vendedor Jair Freitas de Araújo, por exemplo, foi um dos beneficiados com a ação no HGCC. Se não existisse o serviço, ele teria que ir com a companheira e o filho, Victor Enzo, até a Parangaba ou o Centro e aguardar na fila para conseguir o documento. "Esse serviço facilita a nossa vida. Até para tirar cópia, a gente enfrenta fila, imagine com um bebê e uma esposa operada?".
Atendimento
Nas outras maternidades da Capital, o serviço também é disponibilizado. Entretanto, ainda não atendem ao Provimento 17, que faz a interligação entre os cartórios e as maternidades on-line. Nas unidades mantidas pela Prefeitura, Hospital Nossa Senhora da Conceição e Gonzaguinhas de Messejana, Barra do Ceará e José Walter, somente nesta última, é possível solicitar o registro uma vez por semana.
Na unidade interligada de Registro Civil do Hospital Geral Dr. César Cals, o serviço de registro de nascimento é oferecido de segunda-feira a sábado
Nas outras, o atendimento acontece de segunda a sexta, assim como na Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), da Universidade Federal do Ceará. As mães que derem à luz os filhos no fim de semana têm seus atendimentos agendados para a segunda-feira subsequente.
Mesmo assim, o número de registros é bem inferior à quantidade de partos. No Gonzaguinha de Messejana, por exemplo, segundo o diretor-geral Eusébio Teixeira, dos 450 partos feitos por mês, menos da metade dos bebês tem o registro de nascimento solicitado. "Esse número é baixo porque muitas mães moram no Interior e não querem registrar os filhos aqui. Outras não são casadas e os companheiros não vêm ao hospital para fazer o documento", analisa.
Estatísticas
De acordo com a assistente social Sara Frota Marcelo, coordenadora da Unidade Interligada de Registro Civil do HGCC, apesar de não existirem estatísticas de quantas mulheres chegam sem documentos, isso não é raro de acontecer. "Nós recebemos mulheres de todo o Estado, assim como pessoas em situação de rua e outras que nunca tiraram a certidão de nascimento".
Andreza Lima, mesmo morando em Itapajé, optou por registrar a filha em Fortaleza, mas a maioria dos pais prefere fazer a certidão em sua cidade natal
Entre esses casos, está o da dona de casa Juciane da Silva, de 20 anos. Moradora do bairro Pan Americano, ela não existe oficialmente e, por isso, não pôde registrar a pequena Ana Lia. Por ter nascido em casa, a mãe de Juciane não a registrou. Mesmo assim, ela cursou até o 8º ano do Ensino Fundamental, porque, quando começou a estudar, o documento não foi exigido. Há três meses, solicitou a primeira via do registro. "Pedi na Defensoria Pública, mas começou a greve. Não sei quando vou receber".
Na Meac, parturientes sem documentos também são comuns. A dona de casa Rafaela Rodrigues não pôde registrar o seu filho, Thauã, ainda no hospital, porque perdeu a sua certidão de nascimento. Para receber a segunda via, deverá esperar, pelo menos, três meses.
Ignorância impede que se procurem os direitos
Para o professor de Direito Urbanístico da Universidade de Fortaleza (Unifor) e doutor
Laécio Noronha ressalta como a falta de conhecimento sobre seus direitos interfere no não acesso a esse documento. "Muitos deixam isso para lá por não terem conhecimento de que podem tirar a primeira via gratuitamente nos cartórios. A divulgação ainda não é suficiente. Deveria ser feito um trabalho mais massivo sobre isso", destaca.
Prejuízos
O professor esclarece que não há punição penal para quem deixa de registrar seu filho. "Porém, os pais que não se interessam em tirar o registro do filho estão prejudicando-o, já que ele não poderá estudar e nem ter acesso aos programas sociais do governo. Muitas vezes, isso se dá pela desestruturação das famílias, com mães que têm filhos de três, quatro pais diferentes. É necessário mais atenção dos órgãos públicos para resolver esse problema", conclui.
Projeto facilita registros
Enquanto
De acordo com a diretora da Associação dos Notários e Registradores do Ceará e proprietária do Cartório de Registro Civil daquela cidade, Irani Macêdo, desde 2001, a instituição disponibiliza um funcionário para atuar em parceria com a maternidade do município e, assim, facilitar o acesso das mães à Certidão de Nascimento.
O projeto, idealizado pelo cartório, funciona de segunda a segunda, em horário comercial. "Todos os dias, um agente da cidadania, como chamamos o funcionário destacado pelo cartório, vai até a maternidade e colhe os dados necessários. Se a mulher já estiver de alta, visitamos a casa dela para fazer o documento para que ninguém fique sem a certidão", explica.
A diretora da Anoreg também concorda que uma das grandes dificuldades no combate ao sub-registro é a falta de informação dos pais. "Deveria ser feito um trabalho de conscientização em todo o Estado do Ceará. No Interior, é comum as pessoas andarem sem documentos até no dia a dia, imagine na hora do parto, em que a mulher está fragilizada por conta das dores e outras preocupações e nem sempre tem alguém para acompanhá-la", diz.
Com o projeto, o cartório tem acesso a todos os nascimentos que ocorrem na maternidade da cidade de Tauá e, assim, faz um acompanhamento caso a caso. "Quando o pai demora a comparecer e percebemos a falta de interesse, levamos o livro de registro até a casa dele", relata a diretora da Associação dos Notários e Registradores do Ceará.
Os outros 20% que preferem não registrar, em geral, são pessoas de outros municípios, que querem que o filho seja registrado na cidade dos pais. "Pela maternidade de Tauá ser regional, recebemos crianças de outros locais, como Catarina, e esses pais fazem questão de registrarem os filhos nos cartórios de lá", acrescenta a diretora.
Conscientização
Outro problema encontrado surge quando os pais não são casados. "Existem casos em que a mãe quer que o pai dê seu sobrenome ao filho e como ele não quer assumir, ela espera até ele mudar de ideia e, enquanto isso, a criança fica sem registro", acrescenta.
Nestes últimos três meses, o cartório emitiu 180 primeiras vias da Certidão de Nascimento. "Tentamos de todas as formas conscientizar as pessoas da importância desse documento e, como já foi dito, a gente vai até a casa da pessoa, se necessário for. Se existem casos hoje em Tauá, é questão de irresponsabilidade dos pais", ressalta Irani Macêdo.
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